A premiação do Oscar 2024 evidenciou duas forças diacrônicas: literatura e marketing. Duas artes especialíssimas; e saber uni-las em um projeto cinematográfico pode ser a chave do sucesso absoluto.
Ainda não foi o caso na premiação deste ano, mas talvez exista a possibilidade de se obter, algum dia, uma sincronia entre liberdade poética e bilheteria robusta.
As produções e performances distintas de Ficção Americana e Barbie são o exemplo da amplitude existencial entre literatura e marketing no Oscar.
Nas principais categorias da Academia, ambos concorreram aos prêmios de melhor roteiro adaptado, melhor filme e melhor ator coadjuvante.
Para equilibrar esta comparação, vamos adicionar o filme Oppenheimer, que também concorreu aos mesmos prêmios, além de outras indicações importantes.
Pois bem, Ficção Americana conquistou o Oscar de melhor roteiro adaptado; os demais prêmios principais foram para Oppenheimer, inclusive o de melhor filme.
O grande destaque do Oscar 2024 foi a façanha de o filme Ficção Americana conquistar um prêmio tão importante como o de melhor roteiro adaptado.
Normalmente, quem ganha o prêmio de melhor roteiro também leva o de melhor filme. É óbvio: quem melhor escreve, produz o melhor conteúdo!
Porém, não foi o que ocorreu no Oscar 2024. Ficção Americana é um filme de orçamento modestíssimo, incomparável com Oppenheimer e Barbie. Observe:
Filme | Orçamento US$ | Arrecadação US$ |
Ficção Americana | 10 milhões | 22 milhões |
Oppenheimer | 100 milhões | 952 milhões |
Barbie | 145 milhões | 1,500 bilhão |
A façanha literária de Ficção Americana no Oscar 2024
O filme American Fiction é uma sátira em formato de comédia que retrata a hipocrisia americana no trato do racismo. Mostra o quanto as pessoas não percebem o próprio racismo ao se referirem aos negros com estereótipos.
O personagem Monk é um escritor negro, talentoso, inteligente e culto, mas não é reconhecido como tal pela indústria editorial. Em um ato de extremo sarcasmo escreve um livro com conteúdo estereotipado que agrada em cheio a indústria literária.
A partir de então é obrigado a lidar com essa “nova realidade” e cada vez mais tenta parecer o que não é, devido ao sucesso inesperado.
Uma frase do personagem que traduz bem esse dilema é: “Quanto mais burro eu sou, mais rico eu fico.”
O roteiro premiado foi escrito por Cord Jefferson, que também dirigiu o filme. American Fiction foi sua estreia no Oscar e já levou o prêmio máximo como roteirista.
O filme recebeu cinco indicações para o Oscar 2024. Não foi distribuído nos cinemas brasileiros e é possível assisti-lo na Amazon Prime.
O sucesso de Marketing de Barbie
Um filme que carrega o nome de um produto só pode ser interpretado como uma propaganda; uma longa propaganda de 1 hora e 54 minutos.
A experiente roteirista e diretora Greta Gerwig, em parceria com seu marido, Noah Baumbach, soube envolver o público-alvo nessa produção, inspirada em quem:
- Adora memes;
- É suscetível a clichês, como “empoderamento”;
- Tem surtos de nostalgia;
- Tem afinidade com frases motivacionais;
- Tem predisposição para tolices e artificialidades;
- Consome comédia pastelão;
- Se identifica com linguagem infantilizada;
- Faz uso de vocabulário pobre;
- Não entende subtextos -nem textos simples-;
- Se emociona com cenas “fofas”.
Ao contrário de Ficção Americana, o filme Barbie é bem difícil de assistir, notadamente para quem não possui nenhuma das características listadas logo acima.
O estrondoso sucesso de bilheteria de Barbie nos revela a calamidade intelectual de gerações de alfabetizados iletrados.
Contudo, há que se reconhecer o brilhante trabalho de marketing dos roteiristas e diretores de Barbie, que souberam captar o que o seu público queria ver.
Os esforços de marketing da produção de Barbie superaram o frenesi causado até mesmo pelos filmes blockbusters. Barbie não só atraiu multidões para sua bilheteria, como também, uma imensidão de pessoas vestidas de cor-de-rosa.
Retrato da realidade no Oscar 2024
Ainda que tão diferentes entre si, podemos identificar uma semelhança entre Ficção Americana e Barbie: o retrato da realidade do mundo atual.
Ficção Americana descreve a cegueira do racismo com humor e, com isso, faz uma crítica escancarada à indústria literária. Ao passo que Barbie, mesmo fazendo piada com a própria marca, exalta o mundo fantasioso da ilusão coletiva.
Ainda que os estereótipos sofreram abordagens distintas, com crítica em um e de forma caricata, em Barbie, ambos formatos retratam e reforçam, mutuamente, a realidade atual.
Desse modo, o fenômeno social de fuga da realidade é um artifício humano para não reconhecer os próprios devaneios, fraquezas e imperfeições. Reconhecê-los exigirá mudanças profundas no comportamento e nas atitudes.
Em suma, mudanças representam desconfortos e, assim, as pessoas fogem e se iludem ao buscar facilidades de toda sorte.
A realidade retratada nesses dois filmes, tão bem sintetizada nas palavras do personagem Monk, nos faz concluir que vivemos em um tempo em que a burrice venceu.